O CATITINHA
Foi em casa do tio João Catraio que um dia, aí por 1945, conheci uma figura típica e algo misteriosa. Aparecia de tempos a tempos e fixava residência em casa de alguns gafanhões, que o recebiam como se fora um parente próximo. Cediam-lhe um quarto, comia à mesa com as famílias que o acolhiam, conversava e dava conselhos a todos.
Das suas palavras, serenas e bem medidas, saíam conceitos cheios de filosofia, que eu não entendia, mas que os sentia nos rostos extasiados de gafanhões iletrados e pouco viajados. Era o Catitinha, que os fotógrafos da região gostavam de registar para a posteridade. E quando nos falava, como qualquer avô extremoso e sábio, mostrava-nos fotografias das localidades por onde passara, viajando sempre de comboio. Dizia-se, então, que tinha livre-trânsito para poder andar de terra em terra.
Não estava muito tempo no mesmo sítio. De repente, sem que nada o fizesse prever, anunciava a partida, e lá ia. Vim a referenciá-lo, mais tarde, noutras terras, sobretudo da beira-mar.
Um dia de manhã, em casa do tio João, assisti à forma como cuidava da sua higiene pessoal. No tanque de lavar a roupa, dava à bomba com a mão direita, enquanto a água lhe caía pela cabeça. Ensaboava-se todo, da cinta para cima, e depois, com um pente que guardava num saquinho, penteava cabelo e barbas, com gestos bem pensados para tudo ficar certinho.
Vestia-se com algum esmero, como quem vai para uma festa. A festa era a vida descontraída que levava, qual romeiro à procura da felicidade perdida.
Vinha normalmente no Verão, ajudava os da casa em que se acolhera, comia do que havia, sem qualquer exigência, lia o que calhava, tomava notas num caderno que o acompanhava e saía para um passeio ou para visitar outros amigos.
Na rua, quando via automóveis ou camionetas, apressava-se a proteger as crianças, como se temesse que elas fossem atropeladas.
Com muita frequência passava pelas praias da Barra e da Costa Nova, onde mostrava as mesmas preocupações com as crianças que tomavam banho. Dava-lhes orientações para que não fossem levadas pelas ondas, chamava a atenção dos pais para que olhassem pelos seus filhos e quedava-se, tempo sem fim, a contemplar o mar, ao jeito de quem conta as ondas que se espraiavam no areal, a seus pés.
Desse tempo, recordo que se dizia que essa inquietude, que levava o Catitinha a andar de terra em terra, como fugido de alguém ou da sua própria sombra, se devia ao facto de ter perdido uma filhinha, por atropelamento ou levada pelas ondas do mar.
Um dia deixei de ouvir falar dele. Mas a sua imagem de ancião, que parecia transportar na alma um mundo poético ou cheio de sonhos ou de desilusões, nunca mais me deixou.
Entretanto, vim a saber que Catitinha escondia o verdadeiro nome de António Joaquim Ferreira, nascido em Torres Vedras, na freguesia de Meia Via, em 23 de Novembro de 1880. Formou-se em Direito e exerceu a profissão de notário até ao dia em que morreu a sua única filha.
NOTA: Pelos Serviços da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, vim a conhecer algumas notas históricas relacionadas com o Catitinha. Elas aí ficam, para quem o conheceu por estes lados. Ainda sem foto, mas penso que a hei-de descobrir. Quem dá uma ajuda?
FM
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