Terça-feira, 1 de Junho de 2010

Festa da Senhora dos Navegantes

 

 

 

 

No Outono

 

Ângelo Ribau

 

 

Tinha terminado a safra da marinha. Agora havia que terminar as colheitas. O feijão já estava nas caixas, seco e preparado para ser consumido até à próxima colheita, no ano seguinte. Havia agora que colher o resto do milho, que começava a aloirar nas terras. As suas canoilas grossas eram difíceis de cortar com a foicinha. Era necessário aplicar muita força, a precisa  para executar o serviço!

Apanhado, era carregado para junto da eira, onde era desmantado e as espigas postas a secar na eira. Secas, estas eram debulhadas, ou a malho como antigamente ou, mais recentemente, com debulhadora mecânica, alugada para o efeito.

Feito isto, o grão era posto a secar na eira, onde depois de seco era erguido numa máquina (o erguidor), e voltava novamente para a eira para que ficasse devidamente seco e pudesse ser armazenado sem qualquer humidade. Caso assim não fosse, havia o perigo de o grão com a humidade aquecer e “queimar”.

 

Se durante a seca havia sinais de chuva, logo os “toldes” (uma cobertura feita com palha de centeio, que faziam lembrar as coberturas existentes nas casas das sanzalas Africanas) eram postas sobre o milho, que se havia juntado para o centro da eira (por ser a parte mais alta) em forma do telhado de uma casa. Não havia chuva que entrasse.

O modo como o lavrador sabia se o grão estava pronto a armazenar, era trincar um grão. Se o meio estivesse bem seco era sinal de que poderia ser armazenado sem perigo!

 

Agora recordo que uma vez, em vésperas da festa da Nossa Senhora dos Navegantes, o meu pai nos avisou:

— Amanhã ninguém vai à festa. Temos o milho apanhado na “Terra do Golaima” e temos de o ir buscar, porque o tempo está “ousado” a dar chuva!

Engolimos em seco. Perder aquela festa é que não podia ser!

Combinámos então nós, os quatro irmãos, que tínhamos de ir à festa. E, pela calada da noite, tirámos os bois do curral, pusemo-los ao carro, e saímos de casa silenciosamente, rumo à "Terra do Golaima". Quando lá chegámos já se viam os primeiros alvores da madrugada. Já víamos para trabalhar!

Toca a andar, que se faz tarde. O mais velho, que era artista nesse serviço, em cima da carrada, a arrumar o milho que os outros lhe atiravam às gabelas. Era um desaforo a trabalhar;  mas com  cuidado, que o milho era muito, e tinha de ser todo levado numa carrada.

Era preciso arrumá-lo bem! Findo o serviço, foi tudo muito bem amarrado com o “adibal”. Agora era rumar a casa, mas de vagar, não fosse a carrada de milho desmoronar, e termos de repetir o serviço…

 

Chegados a casa, foram os bois tirados do carro, e este posto ao pino. Era o processo mais rápido do o descarregar. O sol já se levantava por trás das serras. Ia nascer o dia.

Agora era meter os bois no curral e dar-lhe uma gabela de palha, que bem a mereciam.

Amarrados à manjedoura, foi-lhes servida a primeira refeição do dia, mas…

Ao sair do curral aparece-nos o nosso pai a indagar:

 — O que é que estão vocês aí a fazer?

 

Contámos-lhe o sucedido e ele foi ver a carrada de milho já descarregada!

 

— Vocês não têm juízo. A andar com o gado por aí de noite! Vocês nem deixam descansar os animais! Vocês dão-me cabo dos bois…

Ele tinha que ralhar. Tinha que dizer alguma coisa. Ficar calado não era do seu feitio…

E como não tinha agora razão para não nos deixar ir à festa… Mas nós nada dissemos, bico calado!

O melhor, quando ele estava assim, era nem abrir a boca. E lá fomos nesse dia à festa.

 

A nossa mãe, antes de partirmos recomendou-nos:

— Cuidado com o trânsito. É por causa disso que o vosso pai não vos queria deixar ir à festa. Ele tinha “medo” por causa do trânsito…

E lá fomos para a festa, pelo meio daquele trânsito todo, tendo regressado à noitinha, sem ter havido qualquer problema.

Ir à festa de noite, ir “ao fogo”,  era impensável…

— Ainda são muito novos para andarem por aí de noite sozinhos, era a resposta, invariavelmente.

 

 

Ângelo Ribau

publicado por Fernando Martins às 18:25
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